segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Derradeiro


Irei, assim como tu. E não será esse o sentido da corrente? Somos arrastados pelas águas da vida, sem saber o modo ou destino. Sentimos apenas os braços frios d'água, que nos amedrontam e acolhem periodicamente ou as labaredas flamejantes de uma esfera loura. Sem endereço ou direção, mas com o eterno deleite do momento, acompanhado de incontáveis e exuberantes tragos de uma bebida chamada dúvida. Mãe de todos os vícios, capaz de inebriar qualquer ser pensante, causando incerteza sobre o sentido que leva ao céu ou ao abismo. Meu maior prazer é nada saber desse destino meu, mas ter certeza de minha própria capacidade de duvidar. Sinto o calor da brasa e os braços gélidos. No entanto, nada me importa mais do que a brisa que me toca os cabelos ou a chuva que me acaricia o rosto. Eu irei, assim como tu. Rumo ao já desnudo fim.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O velho e a Rosa

Foi sempre uma boa pessoa. Quando criança sua maior diversão era subir pelas laranjeiras do quintal, mostrando seus dentes brancos e olhos cor de chocolate. Sorria diante os animais que o adoravam. Na juventude ateve-se aos mistérios dos livros, em busca de tornar-se um alguém na vida. O tempo passou. Não casou-se. Buscando, entre muitas perguntas, a resposta que lhe traria alívio ao coração: o que era amor?
Mesmo vindo de uma família abastada, preferiu trabalhar para procurar pelo mundo tal resposta. Como sempre fora humilde, não se importava de ser gari ou bibliotecário...Mas nunca esqueceu seu objetivo. Rodou o mundo e nada descobriu. Ele encontrou em seu caminho muitas pessoas, de diferentes idades e rostos. Um dia, resolveu que não descobriria o que era esse tal de "amor" se não conversasse sinceramente com cada um ao seu redor. Voltou pra casa, numa cidadezinha interiorana. Lembrou-se da praça central e rumou, com seu livro nas mãos, ao desconhecido que poderia lhe dar esperança. Sentou-se no banco e começou a observar as flores que cercavam a fonte. Pombinhas andavam de um lado ao outro, bicando as migalhas no chão. Haviam crianças correndo, casais enamorados e a sombra de um belo carvalho. Não percebeu que um menino, em especial, observava-o enternecido. Olhou o garoto e sorriu. E esse mesmo sorriso foi retribuído com candura. Como que em uma fração de segundo, ele percebeu que aquilo era amor. "Mas como pode ser tão simples e, ainda assim ser amor?", pensou o velho homem. Continuou a observar. Sentiu uma garotinha sentar-se ao seu lado, com uma boneca no colo. Cumprimentou-a. A menina cantarolava uma cançãozinha desafinada de criança alegre. Perguntou ao nosso herói o que ele tinha nas mãos.
– É um livro.
– Hum, ele tem desenhos?
– Não, mas tem uma bela história. Fala sobre um homem em busca de uma resposta.
– Qual a pergunta? – indagou a garotinha, cheia de curiosidade e divertimento no olhar.
– Ele quer saber o que é o amor. – disse, meio corado pela mentira sobre o livro.
– Não é uma pergunta difícil. Por que o senhor lê um livro tão bobo?
– Bobo?!
– É, bobo...Talvez o senhor aprendesse mais sobre o amor vivendo ele. Quer saber o que eu acho sobre o amor?
O homem, já desnorteado pelas repostas da mocinha, sorriu e acenou com a cabeça. Sim, ele queria saber.
– Eu acho que o amor é tudo que tem nessa praça. Amor é o modo como cada flor dessas mostra seu perfume sem pedir nada em troca, a não ser a luz do dia; amor é o jeito que aqueles jovens se olham e seguram nas mãos um do outro; amor são essas pombinhas que passeiam sem se importar com nosso descaso; amor é aquele cachorro ali, que lambe o dono, mesmo tendo o menino batido nele agora a pouco; amor é o que tinha nas mãos das pessoas que plantaram essa árvore velha, que hoje nos dá sombra...Amor é o que o senhor carrega nos olhos e nem percebeu a resposta se olhando no espelho. Então eu digo, o seu livro não é tão bobo assim. O senhor é que tem um problemão, esqueceu de ser como eu, curiosa por esses detalhes. Tem muito mais amor por aí. O senhor vai procurar?
O homem tinha lágrimas nos olhos. Pensou no quanto andou, viajou e viu pelo mundo afora. Quanto tempo ele havia perdido e nem ao menos percebeu que não tinha nada de tão valioso. Precisou voltar àquele banco velho de praça e ouvir de uma garotinha, uma criança, que amor era tudo aquilo que ele havia perdido enquanto procurava.
– Não, meu bem, eu não vou mais procurar. Eu vou tentar viver o que me resta... disse, quase a meia voz, nosso velho personagem.
O senhor encontrou a resposta, né?
– Encontrei.
Ele estendeu a mão calosa pela idade e afagou os cabelos loiros da criança. Ele havia encontrado a resposta.
– Qual seu nome, querida?
– É Rosa.
Na primavera seguinte nosso herói veio a falecer. Em seu velório haviam várias pessoas que o conheceram naquela mesma praça. Alguns pensavam que ele era um tipo de jardineiro aposentado, pois todos os dias punha-se a aguar as plantas e cuidar do velho carvalho. Passava as tardes tratando dos pássaros e inventando jogos para as crianças do lugar, criou até mesmo um grupo de debates entre os jovens interessados em literatura. Em meio aquelas pessoas que vinham se despedir, havia um garotinha loira que chorava inconsolavelmente. Sua mãe pegou-a nos braços e perguntou o motivo de tanta tristeza.
É que ele não teve tempo mamãe – dizia Rosa, calada pelos soluços. Enxugando as lágrimas, conseguiu esboçar um sorriso – Ele não teve tempo pra provar pro mundo o que eu ensinei pra ele. Ele se foi, simples assim.
Passaram-se anos e as pessoas mantiveram o ritmo de suas vidas. A praça continuava bela e perfumada, cuidada agora pelos próprios moradores. O que ninguém sabia era que, em meio a tantas flores de campo multicoloridas, havia uma especial...Era uma rosa branca, representando um ser que no passado descobrira a felicidade ali, naquele lugar encantado. Enfim, amor era uma fração de segundos, constituída de pequenos detalhes.

domingo, 15 de janeiro de 2012

A razão que nada corrói


Mil interrogações rondam a vida de qualquer ser humano cheio de sanidade (ou não...). Mas, em muitos casos, a curiosidade extrapola e o indivíduo morre de gula pelas respostas alheias. Sou apaixonada por um poema de Leminski que responderia a qualquer leitor a razão pela qual escrevo. Mas aquelas palavras são tão dele que me sinto pequena demais para usá-las em justificativas. Caros amigos, o que escrevo não é pra se ler apenas com os olhos. Eu escrevo o que sinto da melhor maneira possível para que vocês o descubram nas várias frequências humanas e individuais. As palavras para mim têm um significado precioso e delicado. Repito: para mim. Meu amor pela palavra escrita é mais um necessidade do que uma vontade. Mas, antes de tudo, eu escolho as palavras das quais utilizarei para que vocês, leitores, sintam o que quero expressar. Sei que acabo sendo repetitiva por diversas vezes, falando sobre a beleza da vida ou os erros do passado. Mas preciso que vocês compreendam que jamais o faria se não tivesse certeza de que a beleza está nos olhos de quem vê e os erros são diferentes a cada um. Se hoje eu lhes entrego palavras de bem, sorrisos ou lágrimas é porque do amanhã não me resta certeza. Eis minha gota d'água no incêndio cotidiano. Sei que enquanto amanhece a pureza do céu toca cada um de nós à sua maneira e que no decorrer do dia temos sensações variadas, sejam elas doídas ou não. Mas eu também sei que quando a lua se transborda no manto azul e milhares de estrelas se colocam a brilhar, alguém estará olhando na mesma direção que eu. Minhas palavras aqui são a lanterna para que essa pessoa saiba que não está sozinha no silêncio do anoitecer, também conhecido como vida. Cada um tem esse objeto em suas mãos e o utiliza de acordo com o que lhe convém. Eu escrevo. E só.

P.S.: Existirá alguma razão capaz de corroer?
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Insônia

Talvez as noites se eternizem frias dentro de nossos céus particulares, gelados por uma vida de falhas humanas. O vento canta através de minha garganta, tentando libertar-se nos lábios rachados d'alma. Ouço o silvo e rezo para que tenha sido menos um grito estrangulado no mar instantâneo. Espero o amanhecer. Só o sol poderia me devolver a vida que lhe dei num sorriso de agradecimento. Não sinto nada além da angústia febril. É ruim? Talvez. Angústia é um tipo de sentimento que te faz ansiar por cada segundo, sem viver o presente. A angústia mata aos poucos e dolorosamente. Acaba com qualquer um por sua simples capacidade de inutilizar os métodos anti-efêmeros (isso existe?). Sim, é muito ruim. Já estou me sentindo tonta, toda tola. Palavras começam a nascer sem o mínimo sentindo. E eu, triste leitora de momentos, esqueço de meu objetivo. Ah, sim! Lembrei...Eu só quero um pedaço de mundo pra descansar meu corpo. Um conto de faz de conta, onde a bruma encontre meus pés frios e me cause algo mais cálido. Eu só queria sonhar. Mas é sempre assim. As palavras invadem meus sonhos e me chacoalham: "Acorda! Tua realidade espera. Não pode esquecer de me colocar no papel!". Eu sempre me esqueço. Inevitável sonho real. Irrefutável realidade de sonhadora. Só me resta esperar o sono. Noite longa de um dia qualquer.
sábado, 7 de janeiro de 2012

Aos amigos de capa


Eu agradeço. Por cada segundo ao seu lado. Pelos momentos de aflição dos quais tu me tirou. Livrou-me o peso dos ombros com suas palavras numerosas e significativas. Cada oração nos unia mais e mais e quando por fim, nossa história acabava, sentia como que obrigada a mais uma dose de você. Partia em nova busca, louca sanidade, completa em paradoxos. Caminhava até te encontrar e trazer-te de volta. Mas você nunca foi o mesmo. Sempre com um novo mundo a me dar. Ah, como você é doce! 
Eu agradeço. Por cada dia de chuva que ajudou-me a aproveitar. Pelos dias de ócio dos quais me tirava, dando-me inspiração. E agora, que leio suas páginas amarelentas e perfumadas pelo tempo, tento imaginar quantos indivíduos te amam como eu. Serão muitos? Pensarão da mesma forma sobre você? Será que te protegem da poeira da estante? Eu não sei. Só sei que você será meu companheiro até minhas retinas cansadas se renderem. E mesmo assim, eu lhe garanto, encontrarei um alguém que me contará suas histórias, para que nunca nos precisemos separar. Pois o que me importa não é ter olhos às letras, mas sim, à beleza da vida. Você me ensinou isto, ter olhos de poeta. Obrigada, meu bom e velho livro.

Quatro estações


Dê-me um verão de sol claro 
e te escreverei um poema doce como o canto dos pássaros. 
Dê-me a primavera em flor 
e criarei uma assimetria calorosa em sua própria simplicidade.
Entrega-me aquele outono de folhas espalhadas pelo chão. 
Deste, bordarei um sorriso de versos soltos.
E então, só então, mostra-me o inverno. Não farei muito a seu respeito...
Estarei ocupada demais amando-o.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O sorriso

 
Enquanto a cidade se mantém num caos cotidiano eu, que um dia serei adubo aos narcisos, fico sem ar frente o punhado de versos guturais. Sorrio diante minha própria ignorância humana. Não sei organizar minhas palavras para podê-las expressar senão no papel e, mesmo assim, não digo tudo. Sinto vontade de sentar à soleira da janela e o faço. Lá fora há transeuntes num passo frenético. Despontam expressões que apenas uma louca como eu poderia tentar compreender. De certa forma, todos sorriem para a vida. Afinal de contas, amanheceu. Ah, o sorriso. Ele tem mil formas e sentidos e, ainda assim, é apenas sorriso. Tem aqueles que nascem nos olhos e se demoram na face até morrer nos lábios. Outros que são amarelados ou polidos. Existem os que deduram a mentira ou o desejo. Alguns acompanham as lágrimas. Tem os que de tão sorriso viram gargalhada. E, por fim, aqueles que só existem para encantar, vivendo nos cantos de lábios. O que faz do sorriso algo tão especial é a maneira com que o indivíduo o usa. Após tal reflexão me pego sorrindo novamente. E se nós, humanos, tivéssemos a capacidade de sorrir como as crianças? Bem, nós temos o método. Mas nos falta a vontade. Como os seres mais inteligentes da Terra deveríamos procurar menos motivos e mais naturalidade. Quem sabe assim, com cada sorriso não podemos fazer feliz o dia de um outro alguém? Pois eu sei que se sorrio a um estranho na rua esse mesmo riso poderá voltar para mim através da disseminação. Não custa tentar. E, viu leitor, talvez você não me veja hoje, amanhã ou semana que vem...Mas saiba que estarei te sorrindo através de cada verso meio meu, meio teu. Você pode entregá-lo a um outro alguém? Obrigada.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Carpe Diem


“Colham enquanto podem seus botões de rosa
A velhice vem voando
E esta flor hoje viçosa
Amanhã estará murchando

O glorioso sol, lume do céu,
Quanto mais alto eleva-se a brilhar,
Mais cedo encerrará sua jornada,
E mais perto estará de se apagar.

Melhor idade não há que a primeira,
Quando a juventude e o sangue pulsam quentes;
Mas quando passa, piores são os tempos
Que se sucedem e se arrastam inclementes.

Por isso, sem recato, usem o tempo,
E enquanto podem, vivam a festejar,
Pois depois de haver perdido os áureos anos,
Terão o tempo inteiro para repousar."

Robert Herrick
(As virgens que aproveitam o tempo)