terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O velho e a Rosa

Foi sempre uma boa pessoa. Quando criança sua maior diversão era subir pelas laranjeiras do quintal, mostrando seus dentes brancos e olhos cor de chocolate. Sorria diante os animais que o adoravam. Na juventude ateve-se aos mistérios dos livros, em busca de tornar-se um alguém na vida. O tempo passou. Não casou-se. Buscando, entre muitas perguntas, a resposta que lhe traria alívio ao coração: o que era amor?
Mesmo vindo de uma família abastada, preferiu trabalhar para procurar pelo mundo tal resposta. Como sempre fora humilde, não se importava de ser gari ou bibliotecário...Mas nunca esqueceu seu objetivo. Rodou o mundo e nada descobriu. Ele encontrou em seu caminho muitas pessoas, de diferentes idades e rostos. Um dia, resolveu que não descobriria o que era esse tal de "amor" se não conversasse sinceramente com cada um ao seu redor. Voltou pra casa, numa cidadezinha interiorana. Lembrou-se da praça central e rumou, com seu livro nas mãos, ao desconhecido que poderia lhe dar esperança. Sentou-se no banco e começou a observar as flores que cercavam a fonte. Pombinhas andavam de um lado ao outro, bicando as migalhas no chão. Haviam crianças correndo, casais enamorados e a sombra de um belo carvalho. Não percebeu que um menino, em especial, observava-o enternecido. Olhou o garoto e sorriu. E esse mesmo sorriso foi retribuído com candura. Como que em uma fração de segundo, ele percebeu que aquilo era amor. "Mas como pode ser tão simples e, ainda assim ser amor?", pensou o velho homem. Continuou a observar. Sentiu uma garotinha sentar-se ao seu lado, com uma boneca no colo. Cumprimentou-a. A menina cantarolava uma cançãozinha desafinada de criança alegre. Perguntou ao nosso herói o que ele tinha nas mãos.
– É um livro.
– Hum, ele tem desenhos?
– Não, mas tem uma bela história. Fala sobre um homem em busca de uma resposta.
– Qual a pergunta? – indagou a garotinha, cheia de curiosidade e divertimento no olhar.
– Ele quer saber o que é o amor. – disse, meio corado pela mentira sobre o livro.
– Não é uma pergunta difícil. Por que o senhor lê um livro tão bobo?
– Bobo?!
– É, bobo...Talvez o senhor aprendesse mais sobre o amor vivendo ele. Quer saber o que eu acho sobre o amor?
O homem, já desnorteado pelas repostas da mocinha, sorriu e acenou com a cabeça. Sim, ele queria saber.
– Eu acho que o amor é tudo que tem nessa praça. Amor é o modo como cada flor dessas mostra seu perfume sem pedir nada em troca, a não ser a luz do dia; amor é o jeito que aqueles jovens se olham e seguram nas mãos um do outro; amor são essas pombinhas que passeiam sem se importar com nosso descaso; amor é aquele cachorro ali, que lambe o dono, mesmo tendo o menino batido nele agora a pouco; amor é o que tinha nas mãos das pessoas que plantaram essa árvore velha, que hoje nos dá sombra...Amor é o que o senhor carrega nos olhos e nem percebeu a resposta se olhando no espelho. Então eu digo, o seu livro não é tão bobo assim. O senhor é que tem um problemão, esqueceu de ser como eu, curiosa por esses detalhes. Tem muito mais amor por aí. O senhor vai procurar?
O homem tinha lágrimas nos olhos. Pensou no quanto andou, viajou e viu pelo mundo afora. Quanto tempo ele havia perdido e nem ao menos percebeu que não tinha nada de tão valioso. Precisou voltar àquele banco velho de praça e ouvir de uma garotinha, uma criança, que amor era tudo aquilo que ele havia perdido enquanto procurava.
– Não, meu bem, eu não vou mais procurar. Eu vou tentar viver o que me resta... disse, quase a meia voz, nosso velho personagem.
O senhor encontrou a resposta, né?
– Encontrei.
Ele estendeu a mão calosa pela idade e afagou os cabelos loiros da criança. Ele havia encontrado a resposta.
– Qual seu nome, querida?
– É Rosa.
Na primavera seguinte nosso herói veio a falecer. Em seu velório haviam várias pessoas que o conheceram naquela mesma praça. Alguns pensavam que ele era um tipo de jardineiro aposentado, pois todos os dias punha-se a aguar as plantas e cuidar do velho carvalho. Passava as tardes tratando dos pássaros e inventando jogos para as crianças do lugar, criou até mesmo um grupo de debates entre os jovens interessados em literatura. Em meio aquelas pessoas que vinham se despedir, havia um garotinha loira que chorava inconsolavelmente. Sua mãe pegou-a nos braços e perguntou o motivo de tanta tristeza.
É que ele não teve tempo mamãe – dizia Rosa, calada pelos soluços. Enxugando as lágrimas, conseguiu esboçar um sorriso – Ele não teve tempo pra provar pro mundo o que eu ensinei pra ele. Ele se foi, simples assim.
Passaram-se anos e as pessoas mantiveram o ritmo de suas vidas. A praça continuava bela e perfumada, cuidada agora pelos próprios moradores. O que ninguém sabia era que, em meio a tantas flores de campo multicoloridas, havia uma especial...Era uma rosa branca, representando um ser que no passado descobrira a felicidade ali, naquele lugar encantado. Enfim, amor era uma fração de segundos, constituída de pequenos detalhes.

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